segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O que é saúde?

Em Body by Science: A Research Based Program to Get the Results You Want in 12 Minutes a Week, de John R. Little e Doug McGuff, há uma definição de saúde:
"Health: A physiological state in which there is an absence of disease or pathology and that maintains the necessary biologic balance between the catabolic and anabolic states."
Tradução livre:
"Saúde: um estado fisiológico no qual há ausência de doença ou patologia e que mantém o equilíbrio biológico necessário entre estados catabólicos e estados anabólicos."
Definições parecem ser paradoxais: usa-se a palavra para normatizar seu uso. Das duas, uma: ou é necessário normatizar o uso de uma palavra para poder utilizá-la (legitimamente), ou não é. Se, por um lado, é, então não é possível usá-la legitimamente na definição, pois não está definida e, portanto, não está normatizado o seu uso. E se não está normatizado o seu uso, não é possível usá-la legitimamente. Se, por outro lado, não é, é desnecessário definir palavras. Assim, definições, ou são impossíveis, ou são inúteis. Parece.

O paradoxo se desfaz se distinguimos uso e menção de palavras. Usar uma palavra é realizar a função primordial dela na linguagem. Pode ser nomear algo, pode ser classificar algo, etc. Mencionar uma palavra, diferentemente, é fazer a palavra falar dela mesma, a palavra realizando a função de autorreferência. O paradoxo se desfaz, então: para definir uma palavra, não a usamos, apenas a mencionamos.

Resolvido este primeiro, intrincado e importante paradoxo - não sei como pudemos ter levado nossa vidinha até aqui, sem isto resolvido! - cabe observar que definições ora são ferramentas linguísticas, ora são ferramentas cognitivas e que, no caso em questão, exploraremos a dimensão cognitiva da definição. Como Jack, nos ocuparemos de minuciosamente estripar a definição como um conceito, ferramenta útil para compreendermos fenômenos de (nosso?) interesse.

Decompondo: Saúde é
  1. um estado fisiológico
    1. em que há ausência de doença ou patologia
    2. que mantém o equilíbrio biológico necessário
      1. entre estados catabólicos e estados anabólicos
Saúde é um estado. Portanto, é um atributo ou qualidade numa dinâmica, numa transformação. Eu não sou saudável, nem sou doente.  Eu estou ou não estou saudável ou doente.

É um estado fisiológico. Os autores escreveram um livro chamado Body by Science, não parecem ser muito sensíveis à distinção cartesiana (real?) entre alma e corpo. Esqueça, aqui, a alma e mente como coisas distintas do corpo. Materialismo hard core.

E a condição de ausência de doença ou patologia? É tema para um outro post. Preliminarmente, avalio que não seja necessária a introdução desta restrição, por razões de elegância lógica. Isto porque suponho - é assunto para outro post, lembra? - que toda patologia (doença) implica desequilíbrio entre estados anabólicos e catabólicos no organismo. Se este for o caso, a cláusula é desnecessária. Se é desnecessária, é logicamente deselegante mantê-la. Será? Fique ligado neste empolgante desfecho!

Equilíbrio biológico necessário. Necessário para quê? Para a permanência do corpo, para a manutenção da existência do organismo como unidade de funções, como indivíduos. Células também têm seus estados de equilíbrio biológicos necessários neste mesmo sentido, são necessários para que ela se mantenha existindo como célula, não se desintegre, não se aniquile.

Equilíbrio entre estados catabólicos e estados anabólicos. Aquilo de que somos constituídos materialmente, a matéria da qual corpos - nossos corpos - são feitos, é algo em constante transformação, ora decompondo-se, dividindo-se, ora compondo-se, agregando-se. Células, órgãos, aminoácidos, tecidos - todas as formas que assumem aquilo de que somos feitos - tudo está submetido a esta constante dualidade. E a alma? A alma, não sei.

Estados catabólicos são aqueles que resultam em decomposição da matéria. Por exemplo, a descalcificação de nossos ossos, o emagrecimento, o suor. Estados anabólicos, por outro lado, são estados que resultam em crescimento ou diferenciação da matéria no organismo (composição). Por exemplo, o crescimento e densificação de nossos ossos, a acumulação de gordura, a cicatrização de um corte.

Os sentidos nus, aqui, são infiéis, não revelam suficientemente os detalhes desta dinâmica quase incessante (quase, nós morremos). O que, à primeira vista, pode parecer constante em nosso organismo - por exemplo, a capacidade coagulativa de nosso sangue num certo instante - quando visto com maior acuidade, mostra-se como resultante de um delicadíssimo equilíbrio entre "forças", algumas anabolizando e outras catabolizando, algumas compondo e outras decompondo material, atuando com a sincronia e harmonia suficientes para manter o organismo. Quando há saúde!

Deste modo, partículas em nosso sangue são i) decompostas, para que este não seja tão viscoso a ponto de entupir uma artéria e causar nossa morte, ao mesmo tempo em que também são ii) agregadas, para que este seja viscoso o suficiente para não causar hemorragias igualmente fatais. E isto tudo ocorrendo com precisões milimétricas e rapidamente. Tente imaginar o que ocorre quando sofremos um corte! Que bela harmonia, e você aí preocupado com as contas...

Somos, assim, um sistema complexo interagindo com o meio, e que sobrevive - persiste durante estas constantes transformações que são estas interações como o meio ambiente e mesmo as relações internas - por causa do delicado equilíbrio entre composição e decomposição, entre anabolismo e catabolismo. "Por causa" significa: não fosse este equilíbrio e o organismo pereceria, se decomporia completamente isto é, o suficiente para não existir mais aquilo que existia (ou, se preferirmos, o suficiente para não identificarmos mais aquilo que identificávamos). Não fosse este equilíbrio, e o organismo, mais do que se transformar, se aniquilaria. Este equilíbrio tem, assim, uma função: manter o organismo existindo.

Saúde é, assim, este estado fisiológico de equilíbrio entre composição e decomposição material, capaz de garantir a persistência de um organismo em seu meio.

Ok, caro leitor sobrevivente que chegou até aqui, você pode estar se perguntando, mas e daí? Quais as implicações práticas deste cabedal (é assim que se escreve?) de informações? (De fato, se você estiver se perguntando mesmo isto, dificilmente você permanecerá junto aos milhões de leitores assíduos deste blog, despreocupados das coisas "práticas" da vida).

Podemos ver a coisa, então, do seguinte modo. Todas as nossas interações com o meio, todos os estímulos a que estamos submetidos, sobre isto podemos nos perguntar: este estímulo induz a um estado de equilíbrio anabólico-catabólico corporal? Se a resposta for positiva, é um estímulo saudável. Se for negativa, não. Esta informação pode ser útil para você decidir o que fazer e o que evitar na vida. O que um pacote de batata fritas faz? E 50g? E um pão integral 356 grãos? E uma corrida de 10 Km? E exercícios de resistência (musculação) de alta intensidade e baixa frequência?

quinta-feira, 6 de março de 2014

TED e motivação

Para quem não conhece o TED, recomendo. Palestras de 20 minutos sobres temas diversos e numa perspectiva construtiva e instrutiva:

http://www.ted.com/

Neste, que me foi apresentado por um colega do trabalho,

http://www.ted.com/talks/dan_pink_on_motivation

o tema é a motivação. A lição: motivadores intrínsecos são mais eficazes e efetivos do que motivadores extrínsecos.

Ok, mas o que são motivadores intrínsecos e extrínsecos? Uma pista: motivadores intrínsecos envolvem 3 componentes: "autonomy, mastery and purpose. Autonomy: the urge to direct our own lives. Mastery: the desire to get better and better at something that matters. Purpose: the yearning to do what we do in the service of something larger than ourselves." Em tradução livre: autonomia, mestria e propósito significativo. Autonomia: a necessidade de dirigir a própria vida (eu diria, com Kant ;) , a capacidade de definir seus próprios meios e fins na ação). Mestria: o desejo de melhoria contínua em algo que importa (eu não sabia que tínhamos um conceito em português para traduzir "mastery"; ênfase para o "algo que importa"). Propósito significativo: o desejo de fazer o que fazemos tendo em vista algo maior do que nós mesmos. Por oposição, os motivadores extrínsecos são coisas do tipo recompensa (financeira, afetiva, etc.)

O palestrante argumenta que motivadores extrínsecos são adequados (eficazes e efetivos) para tarefas de foco estreito, mecânicas. Para as tarefas criativas, eles não funcionam bem. Algumas pesquisas e estudos de caso, apresentados pelo palestrante, corroboram este resultado.

Como "os negócios" no século 21 envolvem muito mais criticamente tarefas criativas do que aquelas que não são, o mecanismo de incentivos precisa ser revisto.

Considerando que a adoção deste novo mecanismo de incentivos, porque recupera a dimensão ética e moral dos agentes (autonomia é um conceito essencialmente moral), contribui para a construção da humanidade dos seres humanos, é reconfortante ver que o "mundo dos negócios" esteja voltando-se para este paradigma. Ainda que não por razões humanistas - pessoas não são coisas, são fins em si mesmos - poderemos resgatar (?), quem sabe, alguns princípios e valores cujo cultivo pode recuperar dimensões essenciais de nossas vidas. Este TED é sobre isto.